CLÁUSULAS ESPECIAIS NO CONTRATO DE TRABALHO

O direito do trabalho trata-se de um ramo em constante modificação, ante as necessidades que o mercado de trabalho e concorrencial impõe, diante da forte onda de globalização que se instaurou nos últimos 25 anos.

A globalização trouxe o acirramento da concorrência nos mercados internacionais. Os avanços tecnológicos e o crescente surgimento de novas ideias e novos métodos de produção podem rapidamente gerar grandes fortunas, de modo que se torna necessária a proteção da informação[1].

Diante da necessidade do empregador em proteger as informações relevantes de sua atividade mercantil, surgem cláusulas especiais nos contratos de trabalho que visam garantir a proteção da informação adquirida pelo empregado no curso do contrato de trabalho.

Neste contexto, ganha destaque e maior aplicabilidade a cláusula de não concorrência, principalmente após o término do contrato de trabalho.

Na seara do Direito do Trabalho, o Doutrinador Sergio Pinto Martins, define a cláusula de não concorrência como “a obrigação pela qual o empregado se compromete a não praticar pessoalmente ou por meio de terceiro ato de concorrência para o empregador”[2].

Para Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante a cláusula de não concorrência “estabelece para o empregado a proibição de prática de atos que prejudique, ou que possa prejudicar, a atividade econômica do empregador.”[3]

O ordenamento jurídico brasileiro positivado, até o presente momento, não faz alusão à cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho, todavia, a Doutrina e Jurisprudência vêm se posicionando favoráveis à inserção do pacto de não concorrência nos referidos contratos.

Diante da lacuna legislativa, tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 986/2011[4] de autoria do Deputado Federal Carlos Bezerra que regulamenta a inserção da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho. De igual modo, tramita perante Senado, o projeto de Lei 16/2007[5] de autoria do Senador Marcelo Crivella.

No direito comparado, a legislação estrangeira vem autorizando a inserção da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, com algumas limitações.[6] Países como a Itália, Espanha e Portugal já possuem legislação prevendo a possibilidade de se ajustar a cláusula de não concorrência, vigendo inclusive após a cessação do contrato de trabalho[7].

No Brasil, como mencionado, a Doutrina se posiciona de forma favorável à aplicação da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho, conforme ensinamentos de Alice Monteiro de Barros:

 

“Percebe-se que a doutrina brasileira, a cujo ponto de vista aderimos, tende a aceitar a aplicação da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, por aplicação subsidiária da legislação estrangeira, como autoriza o artigo 8º da CLT, em situações excepcionais, sendo ideal a previsão em convenção coletiva, como limitações relativas ao objeto, tempo e espaço.

 

Para Célio Pereira Oliveira Neto[8], a cláusula de não concorrência pode ser instituída por meio de convenção coletiva, desde que seguida da adesão individual do empregado. Neste sentido, vale transcrever seu posicionamento:

 

“Não parece razoável pressupor que um instrumento coletivo tenha o condão de regular com a cautela e especificidade necessárias todo um pacto de não concorrência, dadas as condições especiais que circundam cada uma das diferentes situações em concreto – daí porquê da necessidade de ajuste individual.”

 

Nesta senda, a Jurisprudência vem aceitando a inserção da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho, inclusive admitindo sua validade após o termino do contrato de trabalho. Vejamos julgado do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região[9]:

 

“TRT-PR-17-08-2010 I – CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA – PACTUAÇÃO APÓS O INÍCIO DO CONTRATO DE TRABALHO – VALIDADE – A estipulação de cláusula de sigilo, confidencialidade e não-concorrência, durante o curso do contrato de trabalho, não se traduz em alteração ilícita e unilateral. Isto porque o art. 482, nas alíneas “c” e “g”, da CLT, prevê que constituem motivos para a ruptura contratual por justa causa a prática de concorrência e o violação de segredo da empresa. Destarte, tem-se que tais deveres estão ínsitos no próprio contrato de trabalho, sobretudo diante do princípio da boa-fé, que deve nortear a relação de trabalho. Portanto, é plenamente válida a estipulação de cláusula de não-concorrência mesmo após o início da vigência do contrato de trabalho, não havendo afronta ao art. 468 da CLT…”

 

Da análise da doutrina e jurisprudência predominante, bem como observando as intenções legislativas, pode-se concluir pela tendência do ordenamento jurídico brasileiro admitir o ajuste de cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho, desde que haja limitação de tempo, lugar, área e atividade. Referidas limitações constituem requisitos para a validade da cláusula de não concorrência, e devem ser estabelecidas em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para que não haja lesão ao direito de liberdade ao trabalho do empregado.[10]

Apenas o cumprimento dos requisitos acima elencados não é suficiente para a validade da cláusula de não concorrência, uma vez que deve ser demonstrada a legitimidade de sua pactuação, ou seja, a existência da necessidade de se proteger informação, ou de modo geral conhecimento, adquirido pelo empregado durante o curso do contrato de trabalho.

Neste sentido, vale transcrever os ensinamentos de Célio Pereira Oliveira Neto:

 

“Todavia, mesmo com estas limitações, a cláusula de não concorrência poderá ser declarada inválida, se não preenchidas certas condições também impostas pela doutrina e a jurisprudência, tais como: I) existir legítimo interesse do empregador nestas limitações, ou seja se fizer presente a efetiva possibilidade de prejuízo do empregador, na hipótese de inexistência da cláusula; II) a restrição tem de ser justificada e limitada ao necessário; III) o empregado deve receber compensação financeira, geralmente representada pelo último salário multiplicado pelo tempo de quarentena – normalmente limitada em 24 meses; IV) deve existir previsão de multa contratual em caso de descumprimento, observando-se que o valor da multa não poderá exceder o da obrigação principal; V) jamais pode-se vedar o exercício de qualquer atividade, ou seja o empregado pode exercer quaisquer atividades, desde que não concorrentes com o empregador.”

 

Em que pese a estipulação da cláusula de não concorrência limite o exercício de trabalho – por um determinado tempo, em certa atividade e em uma determinada área de abrangência – em hipótese alguma pode tolir do trabalhador o exercício de atividade laborativa, sob pena de invalidade por afronta à garantia fundamental de acesso ao trabalho.

Portanto, urge a necessidade da cláusula de não concorrência observar de maneira pormenorizada todos os requisitos para sua validade, motivo pelo qual se exige sua pactuação de forma escrita. Não obstante, quando da fixação dos limites e esfera de abrangência da cláusula de não concorrência, deve ser observado o princípio da proporcionalidade e seus subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.[11]

Não se pode deixar de lado a existência de outras cláusulas especiais nos contratos de trabalho que também são aplicadas em casos concretos, por exemplo, a cláusula de permanência e confidencialidade.

No tocante à cláusula de confidencialidade, temos que é um desdobramento da cláusula de não concorrência, todavia com a diferença de que esta é mais abrangente, pois impossibilita o desenvolvimento da atividade profissional do empregado em empresas concorrentes.[12]

Sobre a cláusula de confidencialidade, temos os esclarecimentos de Célio Pereira Oliveira Neto[13]:

 

“A cláusula de confidencialidade visa o resguardo de dados confidenciais da empresa, impedindo a divulgação de segredos empresariais, tais como segredos de fábrica, informações gerenciais, técnicas de produção, estratégias de negócio, transações e dados comerciais, fórmulas e técnicas de produção, inventos e métodos de produção e fabricação, relação e dados de clientes e parceiros, políticas de preço, planos de marketing, segredos de negócio aos quais tenha o empregado obtido acesso por força da relação de emprego, seja acidentalmente, seja por necessidade de serviço seja pela confiança inerente ao vínculo laboral.”

 

Havendo a pactuação de cláusula de não concorrência, ou cláusula de confidencialidade, ou ainda ajuste que contenha ambas as cláusulas, certo que produzirão efeitos jurídicos durante o curso do contrato de trabalho, bem como após sua extinção, cujo cumprimento será diferido no tempo, mormente a previsão de indenização ao empregador em caso de descumprimento por parte do empregado, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

No que tange a cláusula de permanência, novamente o direito positivado é omisso, cumprindo-nos a necessidade de análise do direito comparado. Por primeiro, a cláusula de permanência no emprego é estabelecida quando o empregador custeia a formação ou qualificação profissional do empregado, sendo ajustado um período mínimo de permanência sob pena de indenização por perdas e danos.

Na Espanha, o artigo 21 do Estatuto dos Trabalhadores prevê expressamente a possibilidade de pactuação da cláusula de permanência, desde que haja o custeio da especialização por parte do empregador e que atenda a finalidade de um projeto específico na empresa, bem como não seja superior a dois anos.[14]

De igual modo, na República Dominicana, o artigo 75, parte final, do Código do Trabalho, prevê expressamente a existência de cláusula de permanência no contrato de trabalho quando há investimentos por parte do empregador na qualificação do empregado, sendo limitado à dois anos. Ainda, o mesmo artigo traz que havendo a rescisão do contrato e a contratação por outro empregador neste período, que o empregado, e solidariamente, o novo empregador possuem responsabilidade civil perante o antigo empregador.[15]

Nesta seara, as cláusulas especiais vêm ganhado espaço nos contratos de trabalho, e inserem no âmbito jurídico novos modelos de contrato que podem propiciar o estreitamente das relações de trabalho, a promoção social e profissional do trabalhador e a estabilidade jurídica ao empregador.

 

AUTOR:
Dr. Marcos Vinícius Zancan Mobile
Advogado Sócio Bardal & Mobile


[1] MALLET, Estevão. op. cit., p.122

[2] JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Cláusula da não-concorrência no Contrato de Trabalho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <

http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11503 apud MARTINS, Sergio Pinto. Cláusula de Não-Concorrência inserida no Contrato de Trabalho. In Repertório IOB de Jurisprudência – 1ª Quinzena de abril de 2001, n. 7/01, Caderno 2, p. 128

[3] JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Cláusula da não-concorrência no Contrato de Trabalho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <

http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11503

>. Acesso em abril de 2015.

[4] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=497987 – Acesso em abril de 2015.

[5]Disponível em:  http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79863 –  Acesso em abril de 2015.

[6] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7 ed.  São Paulo: LTr, 2011, p. 201

[7] Ibid. p. 201 e 202

[8] NETO, Celio Pereira Oliveira Neto. Liberdade de Trabalho e a Cláusula de Não Concorrência. ALMEIDA, Renato Rua de (Coord.). Direitos Laborais Inespecíficos: os direitos gerais de cidadania nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 76.

[9] TRT-PR-18154-2009-002-09-00-8-ACO-26296-2010 – 1A. TURMA Relator: EDMILSON ANTONIO DE LIMA Publicado no DEJT em 17-08-2010 – Disponível em: http://www.trt9.jus.br/internet_base/jurisprudenciasel.do?evento=portlet&pIdPlc=jurisprudenciaselNav&acao=navega&pAcIniNavjurisprudenciaselNav=1#${item.linkEdicaoPlc} – acesso em abril de 2015.

[10] NETO, Celio Pereira Oliveira Neto. Liberdade de Trabalho e a Cláusula de Não Concorrência. ALMEIDA, Renato Rua de (Coord.). Direitos Laborais Inespecíficos: os direitos gerais de cidadania nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2012. P. 73 e 74.

[11] NETO, Celio Pereira Oliveira Neto. Liberdade de Trabalho e a Cláusula de Não Concorrência. ALMEIDA, Renato Rua de (Coord.). Direitos Laborais Inespecíficos: os direitos gerais de cidadania nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2012. P. 73 e 74

[12] NETO, Celio Pereira Oliveira Neto. Cláusula de não concorrência no contrato de emprego: efeitos do princípio da proporcionalidade. 2013. 188 f. Dissertação de Mestrado para título de Mestre em Direito do Trabalho. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2013 p. 44

[13] NETO, Celio Pereira Oliveira Neto. op. cit., p. 42-43

[14] Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/WEBTEXT/37817/64929/S94ESP01.HTM#t1c2>  – Acesso em abril de 2015.

[15] Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/WEBTEXT/29744/64852/S92DOM01.HTM#l1>  – Acesso em Abril de 2015.